Desde de 2004, dia 29 de janeiro é o dia nacional da visibilidade trans. Esse marco significa luta, avanços e também a lembrança de que há muito que devemos fazer para a inclusão das pessoas trans, inclusive sobre empregabilidade. Neste artigo, vamos falar sobre a travesti e transexual, com dicas sobre o que você pode fazer no seu dia a dia para ampliar a inclusão da comunidade trans na sua empresa e no seu time.
Contexto
A articulação da comunidade trans e travesti (comunidade T) no Brasil começou na década de 1970, pela necessidade de sobrevivência. Isso porque a sociedade cis hétero normativa pré-julgava a comunidade T por não se enquadrar ao padrão binário tido como o “normal” e, como consequência, a colocava à margem da sociedade.
Em 1979, três mulheres travestis dão início ao movimento de luta pelo reconhecimento da identidade de pessoas travestis e transexuais: Jovana Baby, Bianca e Kelly Simpsons. Indignadas pela situação de perseguição a trabalhadoras da prostituição com a conhecida “lei da vadiagem”, as três iniciaram o primeiro movimento de direitos humanos focado na população trans e travesti, a Associação Damas da Noite do estado do Espírito Santo.
No década seguinte, período em que a AIDS assolou o planeta e atingiu com violência a população LGBTQIA+, surgiu outra instituição importante, a ENTLAIDS. Nos encontros eram relatados também a violência iminente da polícia sobre o corpo da travesti e outras violações e, a partir desses encontros, emergiram outras instituições com foco na população T. No documentário Jovanna Baby: uma trajetória do Movimento de Travestis e Trans no Brasil, Jovanna Baby reforça a importância das organizações para proteger a população trans e travesti.
A luta resultou em avanços significativos de direitos, mas dados mostram que o dia da visibilidade trans exige avanços: a expectativa de vida de uma pessoa trans atualmente é de 35 anos, metade da média nacional (IBGE). Além do quanto se vive, outra consequência histórica do preconceito, é “como” vivemos. Para entender mais sobre isso, a seguir vamos falar sobre empregabilidade.
Empregabilidade trans
Dado o contexto histórico de marginalização da comunidade T, cerca de 90% da população trans está no mercado da prostituição no Brasil, segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Isso indica que é preciso ressocializar a população no mercado de trabalho, ou seja, aumentar a empregabilidade do grupo.
Há organizações dedicadas a esse propósito, como a Transempregos, Rede Aliades, Transgrupo Marcela Prado e REDETRANS, que fazem atividades regionais. Se de um lado há organizações que trabalham com foco na empregabilidade, de outro lado, há as empresas, que podem se conectar com as iniciativas para contratar mais trans e travestis.
A contratação é um ponto de partida, mas não o ponto de chegada.
Isso porque ressocialização é algo que vai além da contratação. Isto é, ressocializar significa buscar garantir que no dia a dia da empresa a nova pessoa se sinta acolhida e com segurança psicológica para ser ela mesma. E como isso acontece? Como você pode ajudar cada dia mais para a inclusão da comunidade T na empresa e em seu time?
- O uso do nome social ou do nome retificado é obrigatório
Esse é um direito básico que deve ser garantido desde o processo seletivo.
- É garantido o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero de cada pessoa
Essa é outra questão fundamental. A liberdade para que a pessoa trans possa usar o banheiro que ela quiser e se sentir mais confortável é indispensável para o sentimento de inclusão na empresa.
- Destaque para o pronome correto nas redes de comunicação da empresa
É importante que a própria empresa facilite que as pessoas sejam chamadas com o pronome correto. Dessa forma, deixar o campo “pronome” em um local visível é um suporte para as relações interpessoais.
- Convênio para tratamento médico adequado
Um diferencial das empresas é oferecer suporte para facilitar a transição e a frente de benefícios é fundamental para isso. Atendimento psicológico, plano de saúde com cobertura de cirurgias e do procedimento de redesignação de gênero são exemplos do EBANX de benefícios para o grupo. Além disso, o custeamento ou reembolso de alguns tipos de medicamentos possibilita que a pessoa trans faça com mais tranquilidade a hormonioterapia.
- Grupos de afinidade
Os grupos de afinidade tem o objetivo de oferecer um espaço de acolhida e de debate. Ali, todos do grupo podem conversar e discutir como gerar impacto positivo nas relações interpessoais na empresa.
- Treinamento e capacitação
Como a população Trans em grande maioria vem de um contexto de exclusão, é importante não somente contratar, mas também capacitar. Dessa forma, a empresa desenvolve as pessoas para se sentirem pertencentes e com capacidades alinhadas ao seu negócio.
Estamos aqui, e agora?
No EBANX, no dia 27/01/2022 tivemos um encontro interno para ebankers chamado “Estamos aqui, e agora?”. Neste ano, trouxemos três ebankers que puderam compartilhar vivências e desenvolvimento ao longo da vida.
No evento, abordamos a realidade dos dois países que lideram o ranking de assassinatos de corpos trans (Brasil e México). O encontro foi um exercício de empatia e um convite para que cada um se alie no exercício da inclusão. A mensagem final é: é com pessoas cis se aliando à causa que avançamos na garantia de um ambiente com segurança psicológica para todes.
One Step Closer
Diversidade e inclusão são temas em que só evoluímos praticando e sabemos que só se evolui praticando. Por isso, não vamos parar. A cada oportunidade, queremos estar um passo mais perto de um lugar de respeito às expressões pessoais de todos.
Saiba mais
Conceitos
Confira abaixo os conceitos-chave da discussão.
- Expressão de gênero
É como a pessoa se manifesta publicamente, por meio do seu nome, vestimenta, corte de cabelo, comportamentos, e da forma de interagir com outras pessoas. A expressão de gênero da pessoa nem sempre corresponde ao seu sexo biológico.
- Travesti
é a pessoa que se identifica com feminilidade e que desde sempre foi erroneamente designada como homem, mas não é homem. Há muitas travestis que não se identificam como trans/transgênero/transexual, por isso é errado dizer que “todas as travestis são trans”. Importante: a travesti é sempre no feminino, por isso usamos o pronome “ela”.
- Pessoa trans
“Trans” vem do latim e significa “do outro lado”. Trans é a pessoa que foi designada na infância com uma identidade (homem/mulher), porém, com o passar do tempo se identificou com a outra e transicionou para viver o outro gênero.
- Cisgênero
“Cis” vem do latim e significa “do mesmo lado”. Cisgênera é uma pessoa que tem identidade e expressão de gênero de acordo com o sexo que lhe foi atribuído no nascimento.
- Binarismo de gênero
Ideia de que só existe macho e fêmea, masculino e feminino, homem e mulher, como se as pessoas não pudessem existir e se expressar de uma forma diferente dessa lógica dual.
Para ilustrar, eu, autora do artigo, vou compartilhar a minha experiência. Nesse conceito binário, eu nasci sendo intitulada como homem, e não me identifiquei. Após essa visão ampla sobre a minha pessoa e aceitação do meu corpo, eu optei por fazer uma transição de gênero para a identidade feminina, tornando-me uma mulher transexual.
Outro elemento que ajuda a compreender os conceitos é o chamado Biscoito Sexual.
Avanços
Campo da saúde
Primeiro, é importante afirmar que a a homossexualidade e a transexualidade não são doenças. Inclusive, que também devemos falar “homossexulidade” e “transexualidade”ao invés de “homosexualismo” e “transexualismo”. Isso porque o sufixo “ismo” produz o efeito de diminuição, desrespeito e deboche.
Foi em 1973 que a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença pela Associação Americana de Psiquiatria e foi excluída do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (o DSM). A OMS (Organização Mundial da Saúde) seguiu pelo mesmo caminho em 1990, mas somente em 2019 a transexualidade deixou de ser classificada como uma doença mental, passando a ser tratada na pasta de saúde sexual, pelo CID 11 da OMS.
Artigo escrito por: Melissa Venezian.